Arte em tempos de golpe

Lúcio de Araújo1

RESUMO:

Arte em tempos de golpe elenca quatro proposições artísticas de caráter colaborativo emergentes em 2016. Fruto de articulações entre artistas, coletivos e ativistas o Circuito Grude, Arte pela democracia – Cartazes, Aparelhamento e Golpe tem Cara são iniciativas diretas e engajadas, de expressiva capacidade de luta pelo aprimoramento da democracia e do estado de direito. Essas ações possibilitam pensar o sentido político da arte na conjuntura nacional em uma contemporaneidade repleta de tensões, desapropriações, esvaziamentos e incertezas. São proposições que abrem caminhos à reinvenção da coletividade.

PALAVRAS-CHAVE: Arte, Política, Golpe, Coletividade, Mobilização

No Brasil, o ano 2016 é marcado por uma acirrada disputa pelo poder. O questionável processo político-jurídico de impedimento da presidenta Dilma Rousseff consolidado no deferimento da cassação de seu mandato no dia 31 de agosto pelo Senado Federal do Brasil faz emergir uma onda de desestabilização pungente. As políticas adotadas pelo sucessor Michel Temer e sua equipe, como a intenção inicial de desmonte do Ministério da Cultura e as polêmicas alterações no ensino médio, geraram revolta em uma parcela significativa da sociedade. Nesse contexto, artistas, agentes culturais e ativistas se mobilizaram coletivamente em uma frente para ocupações das unidades do MinC2, escolas e universidades por todo Brasil. Entre as reivindicações pautadas estão: a defesa por políticas públicas consistentes, o exercício da livre manifestação, o aprimoramento da democracia e a luta por direitos fundamentais. Além do posicionamento contrário ao pacote de retrocessos e inviabilização do pleno funcionamento do estado, estas pessoas, de modo substancial, se organizam na busca por outros modos de viver coletivamente no mundo contemporâneo. Proliferam uma série de proposições artísticas tanto nas ruas como em ambiente virtual. Elenco quatro significativas ações de caráter colaborativo que tomaram corpo nesse período. Circuito Grude, Arte pela democracia – Cartazes, Aparelhamento e Golpe tem Cara são iniciativas diretas e engajadas que deflagram relações entre arte e política em tempos de golpe.

CIRCUITO GRUDE

Proposição artística realizada em ambiente urbano desde o ano de 2013, Circuito Grude é agenciado por uma rede colaborativa de artistas e coletivos que estabelecem um circuito livre de trocas de lambes via correio.3 Após a etapa inicial de envio e recebimento das artes, as colagens são realizadas em espaços de diferentes cidades em data previamente agendada pelos articuladores. Ao final, os registros são compartilhados nas redes sociais. A ação valoriza as trocas simbólicas, as parcerias e conexões entre artistas que atuam em diferentes contextos. O projeto funciona de forma independente, não sendo custeado por órgãos governamentais ou empresas do setor privado. Na edição de 2016 sua sugestão temática foi Grude pela democracia e contou com a participação de cerca de 140 artistas de quatorze cidades do Brasil4 (Figura 1).

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Figura 1 – Circuito Grude, colagem de lambes no CONIC – Brasília-DF, 02 de julho de 2016, fotografia: Claudia Washington

ARTE PELA DEMECRACIA – CARTAZES

Nos últimos anos no Brasil se intensificam movimentos engajados que fazem uso do ambiente virtual para fins políticos. As redes sociais, em suas diversas plataformas5, servem para reunir e articular pessoas em diferentes frentes ideológicas. Em meio a esse fenômeno surge o Arte pela Democracia, um movimento espontâneo que nasce do ímpeto de combater pelo estado de direito. Como resposta as manifestações antigovernamentais do dia 13 de março de 2016, o projeto se desdobra no Arte pela Democracia – Cartazes,6 uma proposta que faz uso da linguagem visual para difundir um ideal democrático. Seus membros elegem o cartaz como principal meio expressivo de protesto e organizam uma chamada aberta para estimular artistas e ativistas a produzirem seus cartazes. A ação repercute rapidamente no meio artístico e em pouco mais de um mês sua página do Facebook reúne cartazes artísticos de centenas de colaboradores (Figura 2).

Os cartazes em sua maioria contestam o processo de impedimento de Dilma Rousseff, criticam atos conspiradores, as redes de comunicação da grande mídia e entidades religiosas fundamentalistas. Entre os diversos gritos de luta que os compõem estão: Não vai tem golpe, Vai ter luta e Fascistas não passarão, além da hashtag #ArtePelaDemocracia. As artes foram disponibilizadas em alta resolução para download gratuito em PDF ou TIF, nos formatos A2, A3 ou A4. Esta forma de compartilhamento permitiu que fossem impressos e levados em manifestações, colados em pontos estratégicos das cidades, fixados nas ocupações do MinC ou ainda apresentados em exposições, como na mostra Arte Pela Democracia, realizada no Centro Cultural São Paulo (CCSP) entre os dias 13 de maio a 10 de julho de 2016, que exibiu cerca de 250 cartazes autorais.

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Figura 2 – Ivan Grilo, Amanhã vai ser maior – #artepelademocracia, 2016, Cartaz, 42 x 29,7 cm, arquivo: Arte pela Democracia.

APARELHAMENTO

Outra ação artística que nasce do contexto sociopolítico brasileiro é a promovida pelo Aparelhamento7, um coletivo definido como um grupo aberto que conta com mais de 150 artistas e pensadores. O grupo propõe fazer arte contra o golpe de estado em curso no Brasil e elaborar ações diretas em prol da democracia. Em julho de 2016 publica seu manifesto denominado Aparelhamento Manifestado, o qual declara o posicionamento do coletivo e expõe sua frente de ação: “gerar questionamentos e fundos para ações que possam interferir na política em curso no Brasil” (APARELHAMENTO, 2016). Na urgência por ações concretas opta pela controversa ação de hackear o mercado de arte na intenção de gerar recursos de inteligência e financeiros. Em sua poética de contragolpe, organiza uma polêmica exposição de obras de arte doadas para serem vendidas na forma de leilão durante a ocupação da Funarte em São Paulo, cujo capital gerado é revertido em ações contra o golpe.8 Mais do que a busca pelo consenso entre os artistas envolvidos, o Aparelhamento entende que a situação do país atinge a todos, fato que impõe a necessidade de que seja tomado um posicionamento frente aos acontecimentos políticos, os quais são frutos de recorrentes farsas no país que corrompem e sequestram conquistas históricas da população. Segundo o coletivo, suas ações artísticas visam uma ampla reforma política, a favor da democratização da mídia, pela luta contra a desigualdade social, em defesa das chamadas minorias e das amplas conquistas trabalhistas (Figura 3).

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Figura 3 – Aparelhamento, Exposição/Leilão Aparelhamento, Funarte SP Ocupada, 2016, fotografia: Edouard Fraipont

GOLPE TEM CARA

A mostra virtual de arte Golpe tem cara também se caracteriza como uma proposição artística de protesto frente aos desencadeamentos políticos em curso no Brasil. A ação poético-política convoca artistas a explorar de forma colaborativa o termo ‘golpe’. Golpe tem cara é uma mostra manifesto impulsionada por questionamentos como: Qual a cara do golpe? Quem dá golpe? Fere a quem? Como identificá-lo? Como desmontá-lo?

Trata-se de uma iniciativa independente, autogestionada e de caráter não competitivo que busca articular artistas em uma frente de ação face aos acontecimentos antidemocráticos deflagrados na disputa pelo poder. Como estratégia se vale do potencial das redes sociais como ponto de encontro, agenciamento e difusão. Também opta pro plataformas em ambiente virtual9, a qual permite o desburocratizado processo de participação. Na medida em que os artistas e ativistas enviam seus materiais, em poucas horas são publicados e compartilhados – processo que contribui na mobilização da classe artística e propicia um rápido feedback por parte do público que acessa essa produção. (Figura 4).

A mostra foi organizada em duas etapas. A primeira, denominada Golpe em Curso (Pré-impeachment), teve seu início em 20 de julho de 2016 e findou em 31 de agosto de 2016, dia da votação decisiva do impedimento da presidenta no Senado Federal do Brasil. A segunda fase denominada Agora permanece com chamada aberta por tempo indeterminado, uma vez que os excessos e conspirações permanecem em voga. Desde sua criação até o momento de escrita deste texto a mostra contabiliza 122 colaboradores, entre artistas e coletivos de vários cantos do Brasil, inclusive brasileiros residentes no exterior e estrangeiros. São cerca de 260 obras, um vasto material em diferentes linguagens e mídias.

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Figura 4 – Claudia Washington, Carne, 2016, Arte Digital, Série Precioso, arquivo: Golpe tem Cara.

TÁTICAS DE MOBILIZAÇÃO, SENTIDOS DE COLETIVIDADE

Circuito Grude, Arte pela Democracia, Aparelhamento e Golpe tem cara tomam forma a partir da soma do desejo de insurgência poética com o de reinvenção humana. As ações aqui descritas demonstram a capacidade de mobilização dos artistas, agentes culturais e ativistas. São proposições que transparecem um sentimento compartilhado de que as coisas não vão bem no Brasil, seus conteúdos propiciam a reflexão do tempo e do espaço em que vivemos, tratam da complexidade dos sistemas, das relações e do que está em jogo na turbulenta disputa pelo poder (bem com seu esvaziamento). De modo dinâmico estas proposições evidenciam a compreensão dos artistas sobre o potencial político que há na arte frente as emergências e incertezas da contemporaneidade. O caráter crítico dessas manifestações valoriza os sentidos da arte como protesto, como combate, como mobilização e coletividade.

REFERÊNCIAS

APARELHAMENTO. Aparelhamento Manifestado. 2016. Disponível em: https://www.facebook.com/coletivoaparelhamento/posts/300885220244803. Acessado em: 11 set. 2016.

ARTE PELA DEMOCRACIA – CARTAZES. Hoje no CCSP. 2016. Disponível em: https://www.facebook.com/artepelademocraciacartazes/photos/a.1532029750434281.1073741826.1531824100454846/1547630388874217/. Acessado em: 11 set. 2016.

CIRCUITO GRUDE. Sobre. 2016. Disponível em: https://circuitogrude.wordpress.com/sobre/. Acessado em: 11 set. 2016.

GOLPE TEM CARA. Convocatória. 2016. Disponível em: https://www.facebook.com/notes/golpe-tem-cara/convocat%C3%B3ria/1634796343498684. Acessado em: 11 set. 2016.

NOTAS:

1Mestrando no Programa de Pós-graduação em Arte do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), linha de pesquisa Poéticas Contemporâneas, sob orientação da Dr.ª Karina e Silva Dias. Especialista em História da Arte Moderna e Contemporânea (EMBAP), Graduado em Educação Artística – Artes Plásticas (UFPR). Bolsista CAPES. Websites: http://arquiviagem.net; http://transitos.org; https://luciodearaujo.wordpress.com/.

2MinC – Ministério da Cultura.

4Belo Horizonte, Macapá, Rio de Janeiro, Brasília, Natal, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Teresina, Florianópolis, Porto Velho, Vitória, Fortaleza e Recife.

5Facebook, Twitter, Instagram, entre outras.

6Arte Pela Democracia – Cartazes – https://www.facebook.com/artepelademocraciacartazes/

8Exposição/leilão Aparelhamento aconteceu na Funarte São Paulo Ocupada entre os dias 20 e 23 de julho de 2016.

9Golpe tem cara no Facebook – https://www.facebook.com/golpe2016/; Golpe tem cara em página própria – http://golpetemcara.arquiviagem.net/

Acervo #6: VitoriaMario

Dodo desenterrando o Vitoriamario…

CapafrenteCapatrás

Este disco é uma preciosidade de nossa coleção e um marco da música independente curitibana. Pra ser sincero, não sei muito sobre a cena da música curitibana do início dos anos 2000, mas este disco marcou minha vida e de vários amigos que também tiveram a chance de conhecer um dos trabalhos sonoros mais inovadores e livres que o planeta pôde proporcionar. Desta época eu gostava muito do Malditos Ácaros do Microcosmos, que cheguei a entrevistar até (me disseram até que é a mesma galera do Malditos Ácaros que fez o Vitoriamário, mas essas hipóteses ficarão para o final do texto).

Em 2001 eu só achava zines em 3 lugares em Curitiba. Na Itiban, na Gibiteca e na Barulho Records. Esta última era uma loja de discos no Shopping Omar, na Vicente Machado. Lá você podia encontrar as demos e discos de bandas independentes de Curitiba e de outros lugares…

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